Já há
algum tempo que estou para escrever sobre este assunto, embora as
circunstâncias tenham me impedido. Porém, nada melhor do que o Dia
Internacional de Luta contra a Discriminação Racial para me
motivar!
Em agosto do ano passado, os moradores da Grande Vitória – ES, ficaram estarrecidos com o caso da universitária Luiza Gomes, que, sem possuir habilitação, dirigiu embriagada durante alguns quilômetros entre Vila Velha e Vitória, enquanto voltava de uma balada, em um carro sem a mínima condição de circular, e que gritou aos quatro ventos que fazia isso porque tinha convicção de que a lei seca não tem eficácia nenhuma e porque, como estudante de Direito que era, ela teria subsídios para burlar a lei.
O que
mais chocou os capixabas não foi a conduta da estudante, mas o fato
de que Luiza não foi indiciada por dirigir embriagada, por ter se
recusado a realizar o teste do bafômetro, e ainda o de ter sido
levada até a sua casa de carona em uma viatura da Polícia Militar,
sem ao menos passar perto de uma delegacia.
Em
fevereiro de 2013, uma abordagem policial também referente a
infrações de trânsito, embora menos noticiada que a de Luiza
Gomes, teve um desfecho completamente oposto ao daquela. Trata-se do
caso em que a cabeleireira Aiude Rodrigues, ao dirigir-se ao seu
local de trabalho, teve seu carro atingido na traseira por outro
veículo e, após também ter se recusado a fazer o teste do
bafômetro, foi conduzida ao Departamento de Polícia Judiciária de
Vitória, onde ficou presa em uma sala com vários outros presos, na
qual ela era a única mulher. Ela só foi liberada 16 horas depois,
após pagar fiança de R$ 678,00. Dito de outra forma, Aiude foi
vítima de um acidente de trânsito, mas foi tratada como criminosa
pela polícia.
Por que,
nesses dois casos de infrações de trânsito, a ação policial foi
tão diferenciada? A meu ver, enquanto sociólogo e especialista em
Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça, o desfecho dessas
duas abordagens policiais foi tão diverso devido à cor e à origem
social das duas envolvidas. Os distintos leitores que clicarem nos
links abaixo, e que lerem na íntegra duas reportagens que noticiam
os casos sobre os quais nos debruçamos, perceberão que Luiza Gomes
é branca e oriunda de uma família de classe média. Aiude
Rodrigues, por sua vez, é negra e pertencente às classes
trabalhadoras brasileiras. Portanto, Luiza recebeu toda a deferência
dos policiais que a abordaram, enquanto à Aiude sobrou toda a dureza
da lei, mesmo que mal aplicada.
Embora
alguns possam dizer que minha opinião não passa de um delírio
persecutório, todos sabemos que pretos e pardos são alvos
prioritários de operações policiais. Tal realidade foi constatada
pela dissertação de mestrado escrita em 2010 pelo Major Airton Edno
Ribeiro, da Polícia Militar do estado de São Paulo. Além disso,
uma Ordem de Serviço assinada pelo Capitão da PM Ubiratan de
Carvalho Góes Beneducci determinou que policiais abordassem
especialmente jovens pretos e pardos, com idade aparente entre 18 e
25 anos em um bairro nobre do município de Campinas, também em São
Paulo.
É lamentável
que, em pleno século XXI, num país em que a maioria da população
é formada por negros, pretos e pardos sejam – declaradamente ou
não – alvos prioritários de investidas policiais, e que
trabalhadores pertencentes a esses grupos etnicorraciais continuem
sendo tratados como bandidos. É por isso que a luta contra a
discriminação racial deve continuar, não só no dia 21 de março,
mas em todos os dias do ano, até que o racismo se torne apenas uma
mancha na história da humanidade.
Referências
MIELLI,
Renata. Negros são o primeiro alvo da Polícia Militar, segundo
estudo. Cáritas
Brasileira,
S. l., 02 jun. 2010. Disponível em:
<http://caritas.org.br/novo/2010/06/02/negros-sao-o-primeiro-alvo-da-policia-militar-segundo-estudo/>.
Acesso em: 21 mar. 2013.
PROSCHOLDT,
Eliane. Presa com bandidos após recusar teste do bafômetro. A
Tribuna,
Vitória, 05 fev. 2013. Disponível em:
<http://www.infoclipping.com.br/cisa/2013_2/15/artigo64.htm>.
Acesso em 21 mar. 2013.
SCHIAVONI, Eduardo. Ordem da PM determina revista em pessoas "da cor parda e negra" em bairro nobre de Campinas (SP). UOL Notícias, São Paulo, 23 jan. 2013. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/01/23/ordem-da-pm-determina-revista-em-pessoas-da-cor-parda-e-negra-em-bairro-nobre-de-campinas-sp.htm>. Acesso em: 21 mar. 2013.
ZANOTTI,
Daniella. Ela bebeu e dirigiu. E ganhou carona para casa. A
Gazeta,
Vitória, 17 ago. 2012. Disponível em:
<http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2012/08/noticias/a_gazeta/dia_a_dia/1349229-ela-bebeu-e-dirigiu-e-ganhou-carona-da-policia-para-casa.html>.
Acesso em: 21 mar. 2013.
subscrevo integralmente seu texto Roberto. Temos um enorme desafio a vencer, não só em relação ao policiais, mas em relação a toda sociedade brasileira. naturalmente que na hipótese de o problema ser percebido a partir de uma abordagem policial expõe claramente a face racista de amplos setores do povo brasileiro, dando visibilidade às nossas origens escravista, latifundiária e patriarcal.
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